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domingo, 29 de dezembro de 2019

A MENINA QUE SE CASOU COM A LIBERDADE

Pequenina era para entender o que se dava à sua volta, mas intuia seu futuro.
Aquele homem a levaria de sua casa.  Bordados no vestido branco artesãs teciam, e atitudes de reverencia lhe ensinavam.  À ela, uma menina, flor que se olvidava, dia após dia, do seu sorriso de criança.
Prometida estava ela ao casamento, escutou-lhe a palavra, reta final do seu destino marcado.
Aquele cantinho da casa ouviu, mais uma vez, o lamento, e dele ela obteve a palavra final.
Naquela noite, enquanto todos velavam o sono, ela tomou as roupas do irmão, vestiu-as, e ganhou a rua.  Correu, até que a liberdade desfalecesse seus sentidos, em meio a noite que dormia.  Acordou, e procurou abrigo, iniciando os capítulos de sua vida derradeira.
Acabou por se encontrar em um povoado, daonde se fêz pedinte, aprendiz e sobrevivente.
Foram-se os anos passando, e um bom homem, para quem trabalhava, a acolheu em sua casa, como a filha que, outrora, lhe haviam negado ser.
Sua identidade, ela nunca revelou.  Ninguém soube de que se tratava de uma moça, pois ela conservara a aparencia que a fizera resistir às intempéries.
Pensava ela de que a vida não lhe havia dado escolhas.   No dia em que em se casou com a liberdade, somente o seu coração saberia de que ela era uma mulher.                                                           



quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

MOMENTO DE ADEUS AO PASSADO

Foste que o ar, a luz ou o dia
Não os tenho em palavra, mas gostaria
De sentir o perfume das letras
O compasso da espera dos finitos momentos
Do mundo dos homens que se abra às respostas.

Se me tenho a ternura, a paciencia se cala
Ante à Natureza que me espere, sólida e perpasse
Meus dias, que vão longe, dizendo adeus ao passado
Que já foi, de outrora, meu, um dia, finito
Agora, uma folha que voe léguas a distancia.

Quero ser esse pássaro, longíquo no horizonte
Minhas asas bater ao compasso do vento, sem rumo ou cadencia
Num crescendo, em frenesi, numa calma destoante
Num anseio que se passe, em momento que se cesse
Num ponto azul do infinito, até não mais, dizer adeus.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

NEM MINHA MELANINA, NEM SEU CABELO CRESPO

Uma vez era de que havia duas grandes amiguinhas, uma bem loirinha e a outra de cor parda.
A vida funcionava bem para ambas, exceto em duas situações.
Moravam à beira da praia e, nas férias, era uma delicia passar o dia à beira do mar, brincando de castelos, nas horas passadas ao relento.
Mas a menina loirinha nunca podia ficar por muito nesse encantamento.  Nem com muito bronzeador, a pele do seu corpo resistia à radiação solar.  Já a sua amiga de cor parda se refastelava de um dia inteiro de emoções vividas.
Por outro lado, a menina moreninha, apesar de gostar muito de seu cabelo crespo, gostaria de que ele crescesse rápido como o de sua amiga loirinha, que tinha cabelo liso, e bem comprido.
Em um certo dia, apareceu uma fada com uma proposta bem atraente:
- Por uma semana, você, menina loirinha, se tornará a menininha de cor escura, e vice versa.
Foi um júbilo.  Finalmente aproveitarei o mar em todo o seu esplendor, pensou a loirinha, enquanto a moreninha ensaiava seus penteados.
Porém, algo mais mudou.  Os pais de ambas não eram os mesmos, e nem seus amigos.  Suas casas e brinquedos eram diferentes.  Nem o mar e o cabelo mereciam tanto.
Em três dias, pediram para voltar às suas identidades originais.
E para mostrar ao mundo sua generosidade, a menina loirinha começou a ir à praia bem mais cedo pela manhã, quando os raios de Sol não lhe causariam dano a sua pele.  E a menina de cor parda cortou seu cabelo curtinho, como se fosse joãozinho, e nunca se sentiu tão menina.
E a narradora desta fábula se tornou testemunha, mais uma vez, da versatilidade e sapiencia brilhantes da voz infantil.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

NOSSA DOR POR PARAISÓPOLIS

Paraisópolis existe.  Desafia os terraços dos edifícios de grande porte, que a contemplam, estarrecidos.
Segue seu rumo, gente miúda, pobre, comunitária, a favela do dia a dia.
Nasci em São Paulo, e acompanhei seu crescimento a valope, tentáculos se espalhando desordenadamente, levando junto as palavras de Caetano : '' Da força da grana que ergue e destrói coisas belas ''.
Paraisópolis e a elite, num jogo em desalinho, convivendo em total falta de simbiose, retrato fiel de um Brasil que explora a desigualdade social e, hoje, faz mais: extermina o mais vulnerável.
É praxe policial penetrar nas periferias, ameaçar, violentar, matar.  Porque seria em Paraisópolis diferente?
Sempre haverá um pretexto que justifique uma ação criminosa e antihumana.  São somente alguns corpos que caem, nos seus vinte e poucos anos.
Quem serão as próximas vítimas ? As do próximo baile funk, ou os meninos negros circulando num carro na favela ?
A ordem é matar, porque a ideologia é acabar com o mais fraco.
Essa mensagem é passada de uma forma subliminar, mas muito claramente.
O número de pobres mortos, no Brasil, nos ultimos três anos, é o de uma guerra civil.
Vale conferir.