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sábado, 13 de abril de 2019

VIDA

Aqui estou eu, com uma página em branco.  Uma saga ainda em procura, perguntas sem respostas, corpo flutuante, onde me levará.
Terminei longos capítulos, e me busquei em heroínas, mais ou menos independentes, mulheres, carentes, frageis, não submissas.  Adotei seus discursos.  Na verdade, os tenho levado vida afora, articulados por muito tempo, como distração a encobrir o medo.  Não que, hipocritamente, representem a inverdade, mas a realidade bate forte, dura, e tem pressa.
Para onde.  Só.  Irremediavelmente.  Com todas as peças do meu corpo doido e cansado, hesitante em lutar, sabendo a não opção.  Experimentando a derrocada a um ponto abissal, para onde não haja retorno, que não o impulso ao ar que encha os pulmões.  Vida ou não, sem condescendencia, tem sido a regra.  Às exceções, seu preço.
O mundo mostra golpes duros.  Líderes são apunhalados, metaforicamente ou não.  A miseria se institucionaliza, sem reação aparente, e as forças da revolução são meros agentes da estagnação.  A luta tem cartas marcadas, jogo previsto de poder, e acúmulo de forças.  Os interesses e o fanatismo apoderam as mentes, potencialmente capacitadas ao pensamento.  A luta se esvai, e a mesmice fica.  Eu me resto.
Dispo-me, não me percebo e acredito, pois minha saga é unica, sempre viva, nunca inacabada.  Minha escrita é o que me resta, e minha historia é finita, acompanhando, tortuosamente, o roteiro de minha vida.
Não sou a jovem sem paradeiro nem, tampouco, a mulher de sonhos de Cinderela.
Ou uma rica anciã que descubra a independencia emocional, nos seus derradeiros anos de vida.  Mas sou tudo isso, porque nada sou, como diria o poeta.  As coisas se desfazem e perdem seu valor, porque lhes deixamos de ter apego, e isso é bom.  Deixarei eu de ter apego à minha pessoa, e o que restará de minha historia ?
Minha relação com o tempo tem mudado.  Ela se tornou muito mais fluida e vaga, como se os marcadores do relogio não fossem compassos.  Mas eles urgem, e soam.  Confundem-me, e nem por isso respondo.  Mas me vejo aqui, sentada, próxima de uma grande realização, marco que só a mim importa, e sou uma parte de mim.  Que continuou, sobreviveu, cai e se ergue, absurdamente insistindo em resistir.
Deva ser eu que aprendi as nuances da fala, sem precisar de grandes convivios com o mundo dos homens.  Que sonha com uma velhice tranquila, recheada por deleites materiais e a promessa de um testamento de morte, avalizado pelo seu ente querido.  Despedida de mundo justa, encontrada na medida certa.  A morte e libertação, e vive-se a vida para acreditar nisso.
Ha verdes e mares, azuis e lilazes.  Esquizofrenias e crianças mortas no Iêmen.  Por injustiça e mercantilização, elas valem menos dos que as palestinas, que valem menos do que nada.  Na verdade, por algum motivo, tudo me soa a ceticismo.  Impossivel acreditar na boa vontade de mentes  aprisionadas em seu proprio despotismo.  Todos ínfimos demais para vislumbrarem mudanças ou construirem um futuro.  Negros, brancos, homens, mulheres, gays e religiões, se existe fracassos, eles se devem tão somente a especie humana, incapaz de manipular sua propria genecidade.                    A vida é pedra.  Musgo.  Tartaruga sólida, coberta de dejetos que o homem atirou ao mar, sem se preocupar com seu habitat futuro de gerações.   É o esconderijo do ser e sua prisão, quando deveria ser a busca de sua fertilidade e virtude.  O encontro dos corpos que se basta, quando a noite cai, e a brisa fica, os sussuros cessam, e nada mais ha o que se dizer.
A vida é poesia, quando dela nada se pede.  Lembranças se perdem, o choro se esvai, e tudo fica como num contorno esboçado.  É o mar já visto, agora só sonhado, a cidade querida, e a mãe adorada.  O amigo que se quer ver, num plano de viagem futuro.  A vida é isso.
Vida, vida, que mais te quero ainda.