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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

TRIBUTO À ANA ( EFÊMERA VIDA )

Ela se foi.  Como uma rosa, voce é linda.
Uma rosa arrancada à força, pelo foice da morte, realidade inconcebivel.
Quero falar de você.  Da sua coragem e obstinação, busca pela sinceridade e humor.
Andando pelos canteiros, se deparou com um espinho, que a feriu.  Tentou expurgá-lo, mas ele se lhe fêz tão sórdido, a jorrar por suas entranhas.  Tornou-se absoluto, dono do seu ser.  E a levou para as nuvens, onde deva estar agora.
A morte é um murmurio, doce subterfugio do acalento. Chega voraz, e nos domina o espírito, invade o corpo, e finda nossa ternura.
Incógnita a espreita, de onde não se sabe o que virá.
Choro, mas de que adiantará meu pranto ? Minha presença e linhas não a devolverão, seu sorriso a vida não retornará, e todos estaremos inertes.
Você se foi, Ana, e nos continuamos aqui.
Insistindo em dar ao tempo um valor por nós estipulado, quando ele nos subjuga e faz seus escravos.  Brinca com nossas certezas e, nem ao menos, acaricia nossos sonhos de futuro.
Tempo rei, magnânimo, a negação dos projetos de vida calculados, certezas incertas estipuladas, e da  arrogancia de quem não se sabe finito.
Tempo rei, que me conceda, a cada minuto, a felicidade de aqui estar, com minhas sombras de dúvidas e receios, meu pesar pelos que se vão, e pelos que, em aqui estando, se sintam invulneráveis.
Tempo que o quero para mim, a conquistar mais rosas pelo meu caminho.  Que não se apague, frutifique, e me dê a chance de olhar o belo, e sentir a ternura.
Ana se foi.  Onde estará agora, sua alma e espírito?   Por onde vagará nossa linda Ana, arrancada a nosso lado tão precocemente. Foi-se.  Flor, coragem, determinacao. Lembrança, saudade, carinho. Vontade de um abraço, ao menos em palavras, soubera eu como lhe alcançar.
Sussurro, peço sua presença e ser tão irradiados por uma força, que nada poderá ofuscar.
Ana está comigo, e com todos nós.  Que cantaremos " Voce é linda ", mais do que nunca.   Que acreditaremos na brevidade das emoções, e no destino fortuito dos encontros.  Na força que temos em recuperar instantes perdidos, e chorar pelos que nao aconteceram.
Ana, viva em mim, em nós, que temos a chance de continuar o caminho dos vivos, preocupados, muitas vezes, com a efemeridade de nossas atitudes, e descompromissados para com o presente.
Sorria em cada um de nós, e ajude a vermos a esperança de que não estamos sós, nesse projeto gigantesco que chamamos o viver.
Inunde-nos de paz, para que possamos reconhecer, em nossas ações, a dedicação para o bom e belo.
E, finalmente, nos sorria, onde estiver.  Leve com você nosso pranto por sua perda, tão irreparável, pela luz de seus olhos, que não brilharão mais conosco.
Ana, em você se indo, tambem me vou.  Ao lugar onde não verei rosas, nem tormentos.  Onde a luz seja meu único caminho, e o todo seja feito só de ilusões. Deixe-me acariciar seu pranto de despedida, você, que não nos deveria ter deixado.
Adeus, Ana.  Leve com voce a rosa que já se foi.  Desperta, viva e cálida, como só uma flor em botão o pode ser.
Haverá um dia em que nos encontraremos, e pode ser que a espera seja infinita.  Por tudo, deixe-me dizer o quanto lhe amo e lamento sua perda.
Adeus, ou até breve.  Leve com voce todas as rosas que seus olhos possam ver.

domingo, 25 de dezembro de 2016

LEE, SÓ PARA VOCÊ ( ODE AO MEU VENTRE MATERNO )

Muita chuva e frio.  Lembro-me do dia em que meu filho nasceu.
Há mulheres que olham seu rebento com ternura imediata.
Haviam se passado alguns dias da data do parto, e acordei, numa madrugada do dia primeiro de janeiro, decidindo que aquele seria o dia.  Eu tenho um pouco dessas coisas, estabelecer o dia.  Não, foi você que me esperou.
E, entre a labuta de viver minhas contrações aumentando, e meu corpo pedindo para que voce saisse, foi num dado momento que você veio ao mundo.  Sem que eu tivesse a menor reação de uma mãe amorosa, que chora ludicamente. Você me foi colocado em cima do ventre, e minha reação foi de espanto e incredulidade, porque deixamos de ser um so. Começamos nossa estrada, agora já não mais simbióticos.
Depois me lembro de que apaguei todos os vestigios de sono, e só consegui sair do quarto para lhe ver uma, dez vezes.  Voce era o bebê mais punk do berçario, com aquele cabelo espetadinho.
Foram se passando tantos anos, Lee.  Tantas dificuldades e renuncia, tantos prazeres e deleites.
Fui sua torcedora fiel nos anos de basquete a fio, ouvinte de todas as inúmeras estorias que voce sempre teve para me contar.
Acompanhei seus passos mesmo não estando presente, só em amor.
Parece que galgamos uma estrada feita de muitos percalços, em tantas e mais horas.  Por sua causa, ja chorei lágrimas que pensei não tivesse, e encontrei a força do perdão, que só a ternura materna possa explicar.  Também descobri que daria muito de mim para aliviar sua dor, que minha é tambem .
Gostaria de lhe indicar um caminho, num pedido mudo que é inconsciente.  Todos têm seus rumos proprios, e suas derrotas e alegrias são fruto do seu pessoal entendimento do que aí está. 
A vida é um vôo, entre as alturas e a rasante, os dois cheios de desafios e perigos. O importante é que se tenha, na medida, a bússola do destino, e se saiba que sempre é benvindo o regressar.
Os momentos em que você me surpreende são lindos, porque vejo que os livros e a delicia da vida lhe marcaram .
Não, nada é facil.  Para você, especialmente.  Isso engrandece sua força, e me torna, sempre, sua cúmplice.
Pois tenho por você um amor que as palavras nunca alcançam. Forte, límpido e com humildade.  Sem medo, as agrurias já me mostraram que nao ha desafio insuperável.
Abra o ano, descubra e enleve.  A vida é boa, e sua idade traz o descompromisso do conhecer e saborear. O mundo dos homens é esse, Lee, que voce já sabia na sua intuição e crítica, e no seu jeito especial de, a tudo, assistir.
Lee, oh, Lee,oh, eu amo voce....Vou cantando por 26 anos.
Cantarei por muitos mais.
Muitas flores, coloridas e singelas.
Lee, amado, querido filho.

domingo, 18 de dezembro de 2016

AH., SE A JUVENTUDE QUE ESSA BRISA CANTA ( FIM DE 2016 )

Sera que esse seria o título dessa crônica ?
Parece-me incrivel que eu já o tenha para palavras que não foram engendradas.
Deve ser porque eu sei o que estou sentindo, mas não é diferente de outras vezes, nunca o é. Sempre soa límpido, forte e tão junto mas, ao mesmo tempo, como um conteúdo inóspito de palavras.
Meus sentimentos e a vontade que eu tenho de que as palavras sejam testemunha presente do momento que não se esvaia.
A quem, nesse momento, interesse o amor ?  Quem perceba a paixao, ou viva com ela, finita, doce, deixando-a ir, ficar, se transmutar entre varios mundos.  Como se fluissem, as recordações são um simples perpassar de tempo, num cheiro que ainda não se foi.
De uns ganhei um abraço, que nos tornou únicos por alguns minutos. De outros, simplesmente recebi rosas, e não vi mais nada.  Com alguns troquei muitos beijos, e queria outros mais.  Ate me saciar, mesmo sabendo que o tempo não conta o prazer que, por sua vez, não é função de tempo algum definido.
Mas eu gosto da ida, do desdobramento dos corpos, e até da despedida.  Acho que nunca entendi tanto o sentido da efemeridade, num pulsar que vai cada vez mais rápido, e do qual não sou dona.
Nem ao meu desejo pertenço, porque ele brinca comigo, se esconde, sorri, acaricia e me leva.  E , às vezes, estou lá, ao final me esperando mas, em outras, so me perco de quem eu sou.
E os beijos, encontros de duas bocas, linguas e labios.  Eu também quero beijar.  Mas, agora, aqui, eu me relevo ao fortuito, que não é mais do que a vontade de que nada tenha fim.
Houve um momento, hoje, em que olhei a manhã, os pássaros, céu, e o que circundava me dava a paz de saber que eu aqui estava por mero acaso.  E de que eu poderia me ir, e de que tudo seria muito sereno.
Porque eu descobri que os beijos acabam, mas não se vai a lembrança, agora que estou escutando Ana Carolina e Seu Livro do Esquecimento.  O presente é tão curto e maravilhosamento belo, que aceito que se vá, porque viverei de lembranças, como sempre fiz.
Sou uma romântica incurável, como as flores que preservo e de que gosto de ganhar.  Passam por uma vida, breve, tênue, mas tão resplandescente e cálida.  Eu gostaria de ser uma flor, e pode ser eu que tenha sido, ou que venha a ser.  Ou a Lua, alguma estrela.
Num dos melhores anos da minha vida de que me despeço, 2016, eu descobri o quanto ela é fugaz, e até mesmo vulgar.  Que irei embora sem descobrir o misterio íntimo das coisas, porque as coisas são seu proprio misterio, Fernando sempre.
Porque os encontros são átimos pequenos, num espaço de tempo muito maior e, mesmo assim, eles deixam seu registro doce.  De que as sequelas continuam, mas não conseguiram matar.
De que o mundo dos homens, finito e inconcebivel, vai agendando os dias da minha morte, e a de todos.  Mas isso fica pequeno, quando se entende que a vida vale a pena pelo que seja, pequena, miúda, e com todas as surpresas que se permitir nos dar pelo caminho, se estivermos dispostos a vê-las.
Vive-se com tudo, e o todo se faz parte.
Virei cronista de aeroporto, de dentro de casa, imaginar o mar, sonhar por mais, e de aceitar o belo, tão como a a tristeza.  Todas as roupas que visto, agora, não me fazem esconder a nudez dos meus sentimentos.
E parece incrivel que seja nesse ano, tao revelador, que a concepção da minha pequenitude venha tão repleta de tudo que eu possa supor, hoje, como liberdade.
De todas as amarras, ciumes e protecao.  De todo o odio que veste a capa do cinismo com o qual as pessoas parecem alimentar suas vidas, foi a redescoberta da escrita a moto mais maravilhosa para eu ser só eu mesma.
E de todas as vezes em que tenha falado de que tive sorte, a maior é conseguir colocar em palavras o que sinto.  Eu já sabia de que seria um reencontro muito grande comigo mesma, mas não intui a força que esse presente me daria.
Que 2017 me espere escrevendo mais, e com a coragem de dividir, o que também é novo.
E muito amor para todos os encontros que cruzarem o meu caminho.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

VOLTA À DITADURA ( SEM TÍTULO OU PALAVRAS QUE CAIBAM )

Doces lembrancças do tempo do movimento estudantil.
As palavras corriam soltas, bem como nosso desejo.  O falar era doce, e estava sempre à procura.  Rostos lindos, inebriados na vontade de procurar o outro.
Sonhei ?  Eram aqueles os tempos de ditadura, resistencia e pavor ?  Lembranças que se mesclam às noticias de mais um companheiro exilado e, quem sabe, muitas outras estorias a serem contadas.
Éramos muitos, poucos, não sei.  Muito embora a vida, já de lá, pulsando solta, com todos a imaginar um futuro próximo e promissor.  Parece-me que esse era o foco de nossa ambição.  Sermos a resposta à incógnita de um escuro que não estabelecia limites.
Aos estudantes, se juntaram operarios, a voz de um plebeu que galgaria um patamar histórico, ou um intelectual que exerceria suas teses mal elaboradas no dominio do poder.
Todos são retratos que se mesclam, numa convulsiva emoção de que se volte, absurdamente, ao momento oco que despertou a denuncia e indignação.
A ética da sobrevivencia não é conivente com a ambiguidade dos sentidos.  É proibido se avançar só, com medo de que um algoz se lhe tome a vida. Num murmurio, mesmo as vozes dissonantes se tornam cálidas, na roda viva da insurreição que é o motivo de muitos, saber de quase nenhuns.  Calem-se vozes e ouçam o gemido dos martirizados, daqueles cujos corpos, atirados ao mar, sofreram as penurias pela sua coragem inconteste.  Voce se foi, companheiro, mas não estou só.
Dias e mais em se procurando a resposta, por entre os passos da cavalaria que alcança seu grito.   Odes quebradas, corpos dilacerados numa so sentença.  Só a morte vale a pena.
A vida, ainda que pulsante, é pouca se as respostas não são dadas.  Queremos mais, que se pare a tortura em nossos corpos e bocas caidas, ventres que murcharam por choques eletrizantes.
Alcancemos o orgasmo do delirio dos nossos sonhos, tão finitos quanto a sede de uma ditadura cancerígena.
O homem não o é, e nem tampouco o faz sentir.  A morte pode ser breve, por isso o delirio da vida.  Somos todos, cada um sua voz, cada voz o mesmo uníssono.  Não é a lenda que nos trará a certeza, ou fórmula que conduzirá ao imediato.
A grande questão não é a de quem a tenha a verdade, mas se ela realmente se revele, palpavel.  Que sociedade sublimou o homem, dotando-o da capacidade de construir suas linhas por veias, que não as de sangue?  Quantos oprimidos não marcharam para justificar a sede do poder ?  Novelos de historia que se emaranham e desfazem, ao som de uma valsa de Medeia.
Um dia, no Brasil, a farda descobriu seu rumo, força e contradição.  Armou-se sanguinaria a destruir todas as flores de Vandré pelo caminho.  Matou Torquato e Ana Cristina, visionarios. E nos deixou, em meio à construcao do destino, atônitos pelo quadro de tamanha crueldade.
Quero gritar, mas não posso, pois meu medo me estanca.  Quero pedir que olhemos numa direção em que o horizonte perca seu nome.  Que sejamos humanos, sem siglas. Sem ou com dialética, absolutamente conscientes dos nossos sentidos e orientação na vida.
Um muro alto pode ser pichado, ter uma mensagem escrita e degustada, como pode, tão somente, ser limpo, em que o nada escrito signifique o todo de possibilidades.
Calemo-nos, porque palavras são armas.  Ferem, atiram e matam, quando não se respeita seu silencio.
Fernando já nos diria que o homem da Tabacaria o imaginou chorando por empatia, o que, na verdade, nunca existiu.  Nosso rio é, tao somente nosso, e nos diluimos nas águas porosas de um vérnaculo empobrecido pelo uso.
Quero silencio.  Nem Liberdade e Luta ou Refazenda.  Quero, desse momento, só os rostos lindos, nossa permissividade assumida, na procura de sermos mais livres.  Cantar, dançar, olhar a flor que, se colhida, murchará.
As palavras me levam, de onde eu só queria estar.  Vou rumando a minha paz que acena ao mundo dos homens, se fechando como uma pétala que, mais do que nunca, sozinha estará.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

ESCOLHEU MEU NOME O DESTINO ( ODE À LIBERDADE )

Voce vem ao mundo e, sem que perceba, ja lhe tem adotado um nome.  Que, obviamente, não escolheu, fruto das fantasias e delirios dos seus pais.
De onde surgiu a necessidade de caracterizar a prole ?  Para diferenciar um individuo do outro, provavelmente.  O grande problema é que, junto a essa urgencia prática, surgiram também os desejos egoistas da escolha individual.  Sendo assim, eles se tornaram soberanos e imutáveis.
Nascemos com um nome, em que a maioria absoluta dos cidadãos ocidentais não pensará em questionar, seja esse seu desejo ou não.
Por uma questão de tradição, a geração judaica mais antiga continuava a perpetuação nominal de parentes que haviam se ido.  Tornei-me Anabela.  Homenagem à minha avó e tia, um nome multiplicado em suas emoções e homenagens.
Primeiramente, não gosto de nomes longos, e muito menos adjetivados.  É claro que, aos olhos de crianças que sabem ser pérfidas, me tornei oposto, sabendo eu ser ou não bonita.  E cômico e truculento se alcunhar uma menina por Anafeia, mas muito prazeroso.  Vejo cada rosto saboreando a emoção do contrafeito, principalmente em não havendo uma resposta em revide.
Calei-me, e me lembro de que esse foi um dos derradeiros traumas de minha total existencia. Carregar um nome de mortas, que eu não conheci, estimei, e que me trouxeram só estigma.  Mas, sozinha, frente a um exercito de alcunhadores, me curvei a minha propria impotencia.
Minha redenção ocorreu depois de quase trinta anos, quando fui morar num pais diferente em que, nem ao menos, as letras do alfabeto coincidem.  Para minha surpresa e satisfação, encontrei menos letras no meu nome em hebraico, grande vitoria.
Mas meu verdadeiro regozigo está no devaneio melódico que meu nome parece causar. Sou notificada de que ele soa cristalino aos ouvidos, e semblantes, quase sempre extasiados, me parabenizaram como se houvera essa sido minha escolha pessoal.  Onde moro não há sentido em se procurar um significado, posto que a sonoridade em tudo se atravessa ao motivo.
Vivo feliz, submersa ao desejo de me esconder de um trauma, que meu já não mais é.  Venci, como se tivesse empunhado armas, não soubera eu as havia tido.  Tenho um nome lindo e, sem querer, se fez justiça.
Penso comigo, e muito, no sentido das escolhas que por mim foram feitas. O absurdo de carregar uma dor que não é minha, por tanto tempo.
Do mesmo modo que a adjetivação prejudica a crítica objetiva de fatos, pode marcar um nome por toda a vida, pregar em ferro e brasa a auto estima de uma criança que, por fim, se tornará adulta.
Aos pais o desejo prerremptório de se fazerem presentes em suas vontades.  A nós, descendentes, a humildade da resignação.
Nomes deveriam tramitar, e serem sujeitos à vontade de quem os recebe, desde a mais tenra infancia.  Deveriam voar ao vento, e encontrarem seus ninhos justos.  Na verdade, muito me alegraria ser chamada por menina.  Aquela que lá vai, olha, e se identifica.
E que, num dia, surpresa, mas deliciada, lhe fosse dada a graça de optar.  A qual, provalmente, pediria postergar o pedido.  Ou mais, simplesmente, como toda a criança, rebateria com a palavra doce.
Não seria um nome comum e, eventualmente, escolheria outro.  Que me desse prazer, recompensa e sentido.
Nem todas as Anabelas encontrarão uma segunda chance.  Para as que ficaram, a renuncia.  Ou se adaptaram às circunstancias, ou não sofreram, como eu. Quiçá ainda acrescentariam mais letras, como na lingua inglesa.
Eu me livrei do destino, abrindo outra página em minha trajetoria.  Como se minha decisão de partir quisera ser meu aval a um verdadeiro novo começo.  A possibilidade de viver meu nome, em liberdade, foi uma das garantias de que tomei o rumo certo.  E de que as diferentes linguas, espalhadas pelo mundo, encontraram coerencia em sua razao de ser.
Aqui estou, por decisão de uma sorte existencial, convicta de que, a cada vez que emitir os sons de Anabela, receberei um elogio em troca.  Mais importante, não viverei o mundo da chacota que, em criança, um dia experienciei.
A todos que, como eu, experimentaram a desilusão da não escolha, já em idade tão precoce.  Que temeram calados e sozinhos, minha empatia.   Meu desejo de que sejamos livres, alcunhas e sílabas a nos perseguir.
Antes de tudo, seres humanos com direito a sua individualidade e decisões.  De resto, a vida, por si só, tomará conta.                                                                                                                                  

domingo, 20 de novembro de 2016

A MULHER QUE EU SOU ( DESENHO GREGO E CRISTÃO SOBRE AS MULHERES )

Foi-se.  Mesmo porque, a qualquer hora, se iria.
No formato de um coração, os filosófos gregos se lhe atribuiriam a beleza vinda do cosmos.
Um rosto de criança emoldurado pela fotografia singela, colocada na carteira.  Um pedido, súplica, imagem doce de um ser ainda carente de amor.  As formas atribuídas pela natureza, em conjunção com a natureza do cosmos.
A beleza, a virtude que emana dos corpos, e confere a alguns sua superioridade. O ser humano como produto de seu alinhamento com forças superiores, que se lhe determinam o alcance de suas virtudes.
Nao vivi em Atenas e nem, tampouco, em Esparta.  Em ambas, o belo que existe em mim não seria valorizado, posto que, aos gregos, sublime lhes foi, tão somente, a imagem masculina.
Sou mulher e, assim, permuto minha essencia.
Do que se diria mulheres e natureza, onde estaríamos nós no pensamento grego.  Platão desejou, e seu anseio se resumiu ao querer, sem o toque.  O desejo alimentava os sonhos, e o alcançar os destruia.  Basicamente, projetos de afeto e libido não consumados.
No mundo da Grécia Antiga, o homem, submisso a natureza, não tinha sua propria vontade.  Alguns nasciam mais dotados de virtudes, e eram, adaptativamente, mais recompensados.  A concepção Darwiniana encontrava sementes, ja nesse período ancestral da história.
Mulheres, quem somos ?  Depois dos gregos, surgirá o pensamento cristão, estabelecendo a ordem entre os desiguais.  A virtude deixará de se centralizar no próprio indivíduo, e será avaliada pelas ações que, dele, reverterem para o bem comum.
Um salto gigantesco na história, do ponto de vista do papel feminino.  O pensamento cristão se amolda ao desenho do coração enternecido das mulheres, ao seu traço misericordioso de se devotar, e capacidade de amar incondicionalmente.
No mundo dos seres humanos, somos nós as mais aptas a doação não recíproca, e a entrega sem contingências ?  Será que nossa ausencia nas páginas dos manuscritos gregos nos leva automaticamente à piedade cristã ?
Provavelmente, o primordial papel da mulher, em qualquer sociedade, seja o de trazer descendentes ao mundo, função essa determinadora da continuação da espécie. Não será essa uma virtude elevada, talvez a maior entre outras tantas?  Ou talvez esse papel seja encarado como preconcebido por aqueles que, ao ser humano, procuravam a beleza, virtude e sabedoria ?
No mundo em que a justiça é o atributo de maior valor, como para Aristóteles, qual o papel da procriação ?
Parece-me que a era cristã nos fulgurou o merecimento.  Tornamo-nos castas e fertéis, para justificar a compaixão.  Hipócritas, sem denunciar a raiva, e profundamente ariscas, por esconder nosso corpo.
Cristo foi crucificado mas, antes, sua mãe tambem o foi, por o ter parido virgem.  Porque a nós não é atribuído o prazer e o himen rompido ?  Porque a Jesus a candice, fruto de uma pureza desafiadora da própria vida?   Da mesma forma, não escorre o sangue aos dedos desse ser santificado.  Mistificação que nos obriga a força moral de nos sabermos desprovidas de prazeres e sabores, mas reles em nossa identidade.
Gregos e a beleza, escultura de Michelangelo em um museu de Florença.  Olhar ao cimo, corpo escultural, somos homens.  Penis pequenos, grandes músculos e cabelos encaracolados, a supremacia do belo.
Quando a beleza feminina surgir, virá, quem sabe, coroada de todos os resquicios anteriores dessa subjugação da mulher, da sua não aceitação como ser pensante, mas como reles progenitora, carente de deveres altruistas.
Hoje la esta, a letras garrafais.  Abaixo a cultura do estupro, no que eu ouviria um eco muito distante aos íconos da historia, que protagonizaram a mulher como o fizeram.  E da qual eu, tampouco, lhes retiraria a responsabilidade, muito embora sabendo que a insurreição possa ser sinônimo de morte.
Quero ser mulher, como também possuir meu corpo, espírito e virtudes.  Anseio o livre arbítrio dos que o foram, e não o mais são.. Amar promiscuamente, e me entregar sem sentidos.  Fugir da realidade, e não voltar dos meus sonhos. Não ser feliz, em querendo a liberdade.  E saber brigar com, absolutamente, todas as minhas certezas.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

MORTE EM VIDA ( ODE AO ÍNDIO BRASILEIRO )

Na calada da noite, um grito ecoa por toda a floresta.
São as mães que não tiveram tempo de amamentar seus filhos, e os pais que os descobrem jovens, estrangulados junto à uma árvore, que não quis morrer.                       Dezenas de seres pedindo seu lugar, que outrora havia não se fizesse nenhum clamor.  Dentro das matas sorrateiras, um indio desce, farejando sua presa.  Seus olhos de águia a tudo assistem, e ele espera.  Seu compasso é único, o limiar de uma vida.  Seu tempo tambem o é, longíquo e desprovido do valor das cidades.
Dormir ao chão, relento, terra firme.  Hoje a noite terá a celebração dos fogos.  Amanhã a colheita será mais farta, e o dia mais luminoso.
Mas, aos indios, não lhes é permitido caçar nem, tão somente, ocupar seu territorio.  Eles são os senhores que ameaçam, os verdadeiros algozes de nossa sociedade decrépita.  Elementos produtivos,  gananciosos, que se ocupam em extrair do bem os maleficios que contaminarão todos os pobres de espírito.
Ja fui indio, e por isso sei de seu destino.  Vesti-me com roupas coloridas, adornei meu corpo, e gritei. Um brado uníssono nas selvas, escutado por todos os trovões.  O céu ouviu meu lamento, mas o mundo dos homens o emudeceu.
Somos carcaça, a que se pode jogar ao limbo, resquia virtual de poeira.  Somos crianças que choram como todas, pedintes no seu direito de crescer.  Mas o leite de nossas mães já está seco.
Um dia, andando pelas matas, eu, indio, me deparei com uma cena.  Era a estrada costeira e vozes, muitas, que pediam minha submissão.  Destruiram-nos a aldeia, o pão, e a terra.  Nossa escola se desfêz como um livro, já sem uso.  Chorávamos, mais não emitiamos nenhuma voz.
Éramos fantasmas, fantoches de nós mesmos.  De que vale o choro não consolado ?  Por quantas mortes valerá esse lamento ?
O dia se passou e, com ele, veio a noite.  Espreitou-se à esgueira, e fulgurou no céu.  Mas tambores tambem emudecem, quando não há quem os toque.
Não havia mais tristeza, alegria ou saudade.  O sentimento se extinguiu, a raiva acabou, e uma inteira raça foi dizimada.  Sem rastros, vida, ou qualquer sombra de identidade.
Os grandes senhores tomaram por bem nada dizer, fato posto. De que adianta a compaixão a quem não sabe ser servil ? A empatia, a quem único se julga ser ?
Genocídios acontecem mundo afora e, esse, é só mais numericamente um.  Estejamos mortos, plantados com nossas flores, sepulcro de nossos tormentos.  Nossos suicidios não serao contados, nosso pão distribuido, e nossas raizes eclodirão, arrancadas à força.
Nasci indio e assim me vou.  Sem qualquer traço de saudade ou esperança. Cético de que dias melhores me esperarão.  Confluente ao ruido dos pássaros, que me fizeram parte da selva, em uníssono.
Apesar de tudo, não ser, posto que morte em vida.
Nasci indio, e assim morri, levando minhas lágrimas, mas não meu acalento. Deixando tristeza a cada palmo pisado.
Morri indio, mas deixei o legado de não me deixar dobrar à subserviencia do homem.  Se minha terra delimitada, sua vida um vazio de amor e ternura.
Se, ao meu filho não leite, a voces não à vida.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

ANDANDO EM CÍRCULOS ( TRUMP E EU )

Reza a lenda de que os genes determinam a procedencia do homem.  Houve um dia em que li um livro chamado "O Gene Egoista ", onde havia uma tese de que já viemos ao mundo com expectativas do que vamos oferecer aos nossos descendentes.  O gene não seria altruista, pois não se preocuparia com o aperfeiçoamento da especie, mas sim da sua minúscula e elitista prole.
Mas, se juntarmos todos os genes da humanidade, preocupados em salvarem a si mesmos, o que teremos ?
Estamos, por ora,  deixando um sombrio legado de negação de valores humanitarios, aliado a conceitos retrógados e preconceituosos.  Esperemos, tão somente, que as futuras gerações lutem para se contraporem a toda essa onda de excentricidades anti éticas ?  Mas isso vai exatamente de encontro ao que o gene egoista não quer.  Ele pede sobrevivencia, e não aniquilamento.
Mas será a continuidade do não justo o que permanecerá ? O fomento às guerras, a não identidade dos oprimidos e injustiçados ? Serão os genes egoistas em maior número os que farão valer a sua voz ?
Pensemos nos nossos filhos e netos, animais e toda natureza  como um tudo. Questões como sustentabilidade se farão presentes em governos que pedem soluções imediatistas não ancoradas nos desejos da maioria?  Na violencia que se perpetua, e não pede clemencia ao atingir pessoas indefesas.
Reflitamos sobre os meios de comunicação devassos e partidarios que permeiam conluios mundo afora, espalhando um terror subliminar, que se espelha a cada derrota enfrentada pelas camadas mais humildes, e a cada ascensão desenfreada de tiranos sem quaisquer concepções humanitarias.
Ja não sei mais qual deveria ser o papel dos genes, e até me parece inócuo questionar-lhes a veracidade e importancia.
Se egoistas, significa que ajamos de acordo com certos valores e premissas que, esperamos, se perpetuem por nossa prole afora e que, a ela, seja resguardada sua continuidade.
Se altruistas, visariam, talvez, a uma melhora da sociedade como um todo, em que a sobrevivencia fosse garantida a todos os individuos.
Provavelmente, os genes devam estar passando por um momento de crise existencial.  Ou covardes o são por natureza.  Porque, no estagio de desenvolvimento tecnológico em que se encontra a humanidade, zombar de básicos principios de coexistencia é, no mínimo, uma afronta ao nosso intelecto cognitivo.   Mas ao coração, me permito questionar.  Os seres humanos não podem ser qualificados como ponderados, hegemônicos ou, às vezes , vivos, no sentido de que alguma emoção básica os afete.  Existe alguma coisa que sempre nos escapa.  Ao fim de periodos de concretização de sonhos libertarios, retornamos à essencia do pobre, gasto e vil.
Circunspectos em nossos dogmas, envoltos em nossa tirania de poder, compomos um quadro do que será a futura geração.  Um fantoche de si mesma, em que pseudo ditadores adotarão formas populescas de divulgar suas políticas arbitrarias.  Em que os mais necessitados continuarão a habitarem o reino da ignorancia, sentindo-se confortados por fazerem parte dele.
Ministros apocalípticos, deuses em fantoches, tudo passará. 
Escolas serão ocupadas, porque os genes egoistas lhes farão vistas grossas. Mas por simples pena e concessão.  Na verdade, o dominio do poder garante tal imunidade, que caminharemos, passo a passo, construindo a duras penas, nossas pequenas mutações.  Elas surgirão, porque os recursos estarão esgotados, e a mao que constrói a labuta se enfraquecerá.
Muito tempo decorrerá, para que as vozes que façam sentido voltem a falar um coro unissono.  Berrarão, com certeza, e vislumbrarão um mundo de paz onde todos os genes egoistas confluirão para os mesmos anseios em relação a sua prole.
Mas haverá seres, alguns, tristes, maquiavélicos e sórdidos, que enxergarão, no horizonte, as tênues sombras negras de um amanhecer calculado.  E, novamente, se reproduzirão, e viverão nossos filhos , netos e afora, a contradição do não ser.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

CRÔNICA DE AEROPORTO (SE EU SOUBER SENTIR SAUDADE )

Vou-me embora para Pasárgada.   Nunca pensei que fôsse tão fácil flutuar.  Estar aqui e la, e saborear as sensações de um presente não definido.
Perdi o momento, nas badaladas do meu relógio que pulsou tão rápido, veloz, cortando as nuvens.
Fui filha, amiga, namorada e criança.  Em todos os papéis, me mesclei e não me senti.
Por vezes, vinha o choro, e eu atentava para a emoção do momento.  Depois, os quadros se fundiam, brincavam em minha mente, e eu delirava.
Muito o fiz nessa viagem, até quase perder o chão.  Chamei ao meu nome, e me esqueci.
Minha mãe, sentada em frente a mim, readquiria consciencia e clamava sua morte próxima.  O amigo se tornou amante, e relembrou comigo os velhos tempos.
As ruas não pararam de correr, e o frenesi tomou conta de tantos átimos, que eu não sei se fugi. Encolhi-me na minha solidão de delirios, imagens, conversas ficticias, músicas que cantei para uma platéia que só a mim assistia.
Brinquei de boneca, vendo minhas fotografias de infancia, e minha mãe, velhinha, que outrora foi uma mulher, como eu, como tantas que possam passar despercebidas a luz do horizonte.
E, finalmente, estou sentada aqui, num banco de aeroporto, escrevendo, querendo que isso nunca se acabe, e que justifique minha loucura.  Adoro as palavras que produzo, a estética que vai brotando de um conteúdo totalmente desconhecido.
Voar é meu destino, já tao anunciado, entre duas realidades que sempre me conflitam, e tocam. Nunca serei inteira, mas parte de dois todos em que, credulamente, sempre penso me encaixar, mas que zombam de minha vontade de estar.  Parece incrivel que um voo me transloque de lá para cá, amorfa no espaço, sempre em procura.
Real saber que minha falta de sanidade, paradoxalmente, coloca coerencia em minhas palavras, meu derradeiro loco de construção, encontro, e nao julgamento para comigo mesma.
Estou em mim porque as linhas eram meu desejo e, assim, inauguro minha carreira de cronista de aeroportos, muito mais do que a vida.
Se chorei tanto, porque não agora ? Escrever só em estado hipomânico é um segredo que não desvendarei em vida, e não há pranto que o apague.
Talvez soubera eu cultivar as lágrimas por mais tempo, me tornaria serena.   Não abrir mão da escrita e o desejo mais almejado, que me faz pulsar a consciência de que as palavras me dão.
Já não tenho medo de chorar, e tampouco me despedir, posto que o tempo é eterno.  Eu falivel, mas ele nunca morrerá.
Fernando, siga comigo, pois que nunca me tenhas abandonado.   Deixe-me chegar um pouco a você, em toda a sua loucura sem críticas.
Falam ao meu lado "cada escolha que a gente faz muda nossa vida "...Não sei se a vida é feita de escolhas.  Há tanto em minha vida que não foi por mim determinado.  Procuras que ficaram sem respostas, e muita dor para a qual nao consegui consolo.
Não pare de chorar, e que seja muito.  Por cima daquelas nuvens brancas, que nunca  poderei tocar. Amanhã é um novo capítulo do meu destino, dessas pretensas escolhas que não sei se as faço ou farei.
O mundo aceitará minha loucura, quando ler o que escrevo.  Eu me lembrarei de Ana Cristina Cesar e Torquato Neto, e não saberei o momento derradeiro.  Para alguns, ele chega veloz, e não tem manchas.  Outros se angustiam, e também acabam.  A fragilidade da vida e inconcebivel, e eu sou apenas uma folha, por isso posso voar.
Estou aqui, cadeira de aeroporto, me entregando ao delirio, horas de voo me esperam.  Ja não tenho saudades, ou sinto amor.  Sinto, porque o sou , mas brinco, porque quero a liberdade.
Uma página arrancada, mais uma crônica escrita.  E eu me salvei da loucura.

sábado, 15 de outubro de 2016

CELAS FRIAS NÃO BROTAM FLORES ( LULA, VIVA )

Se justiça fosse feita, as pessoas poderiam pensar.  A elas caberia o beneficio da dúvida.
Não existiriam grandes corporações, nem teríamos, eu e você, brigado.
Caso as forças fôssem as mesmas, a natureza não se revoltaria contra alguns, deixando outros incólumes.  não saberia de seu câncer, porque voce estaria pura.
Justiça houvesse, e não haveria becos soltos, e a agonia de quem já acordou para um grito. Porque, no mundo dos homens, vale o arbitrio de quem já é predestinado.
A juventude conheceria seu ardor, a diferença sua singularidade, e o pobre não seria apenas mais um.  Carentes de espirito são os que se sintam privilegiados, acossados do alto de suas certezas.  Magnânimos, se ousam ao direito de cercear e prenderem sonhos.
Mas ao sonho nao existe dimensão.  Ele não tem corpo, e por isso só está.  Pode ser alimentado por acalentos de sangue, mas sobrevive e não morre.  A presença física de torturadores não aniquila o pensamento, muito menos apaga as vozes do amanhã.
Seu cancer não valeu de nada, porque não obscurece seu espírito.  A todas as crianças que não vão conhecer seu futuro, um pedido para que se pare.  Escute-se o ruido da vida, que já caminha, imberbe, por entre as fronteiras do não conhecimento.
Mate-se um sonho, mas ele nao esmoecerá.  Demorará anos, mas surgirá como um cálice, pronto e aberto a receber.
Aos que ouvirem vozes que não se sabem existentes, o não perdão.  Aos usurpadores, caladores do senso comum e traidores da raça humana, o destino e o silencio de um jazigo.  Onde todos se encontram, alguns em flores que não são minadas.
Que não se pratique a injustiça e o desamor.  Que se conservem viventes os pedidos para que sejamos livres.  Não há dúvida maior do que a de quem pensa que não a tenha.
Amanhã é um outro dia, e não será de alegria.  Mas tampouco de tristeza, porque haverá a luta de quem dormiu, e chorou.  Daquele que não respeita os senhores que adestram o gado, na furia de controlar suas ambições desmedidas.
Haverá um amanhã , para cada injustiça cometida e dor acumulada, porque a história a tudo vê e a nada se cala.  Traça seus sinais, e não os esconde às novas gerações.
A cada golpe desferido, maior será a dor dos que o cometam,  e também a alma dos que o vivam.
Lembrem-se das palavras, gestos, ternura e solidariedade.  Abram seus olhos, e gritem forte um coro de união.  Um país abalado em suas convicções, mendigando um pouco de igualdade.
Não o permitam que se vá.  Respeitem o sonho de que um dia já se foi.
Em nome de uma parte presente em cada um de nós ou, ao menos, dos que saibam cultivá-la.
Choremos pelos nossos erros, mas conservemos nossa dignidade.
A cela de uma prisao e lúgubre, triste e abandonada.  A ela bastariam seus algozes.
Deixo-o viver.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

VINTE MIL KILÔMETROS DE SONHOS ( MINHA VOLTA AO BRASIL )

Vem chegando, e escala pelas nuvens.  É meu avião, que vai cruzar o espaço.
Adoro essa dimensão.  De repente, estou de encontro às nuvens, e tudo é céu.  São as pessoas, é o sono, a fadiga de alguns, a energia de outros.
Eu, como sempre, não tenho definição.  Que farei nessas horas que me separam a meu destino ?
Pensarei, anteverei muito o momento de chegada.  Como é bom adentrar ao Brasil, colocar meus pés em solo, e começar a ouvir minha língua mãe.
Mas ainda estou voando, literalmente. Levanto-me, com o pretexto de tomar um copo d'agua.  Num de meus vôos, tive uma conversa muito interessante com um transgênero, que me introduziu, teoricamente, a praticas sexuais que eu não havia experimentado, antes, em minha imaginação.
Mas foi em outro vôo, que me deparei numa discussão com uma médica, que alegava que homossexualidade era uma anormalidade.  Dão-se diplomas a quem não os fazem por merecer.
Alcanço Addis Abeba, capital da Etiopia, num trajeto curto, experimentação ao que virá depois.
Ansiedade, estou no meu mundo transatlântico, que adoro.  Indo contra o tempo, as nuvens que esbarro pelo caminho, e a temperatura que vai adquirindo um sabor adocicado, no contexto dessa obra.
Hora de procurar o novo, as pessoas que me pareçam interessantes, as poses divertidas dos que dormem abandonados e, até mesmo, às vezes, aquele bebê que chora, talvez porque lhe seja o destino.
Cruzo o continente africano, que tão caro nos é, e tão inóspito.  Nada dele conheço, a não ser aeroportos, o que e, a priori, uma heresia.  Fui sempre mais europeia na minha procura, mas hoje gostaria de conhecer meus irmãos de sangue.
Etiopes, por mim, são bastante conhecidos.  Têm uma pele mestiça e um sorriso afável.  Adoram se comunicar, e sei disso pois basta vê-los trabalhando em grupo, sempre com uma palavra nos labios.
Mas, desse continente renegado, mas maravilhoso, gostaria de conhecer a cor negra forte, expressiva e grave.  Um dia me permitirei esse encontro.
Por ora, estamos sobre um oceano que faz apartheid entre dois lados do mundo.  E imenso, e voo absolutamente alto, acima das nuvens, só imaginando que pairo sobre ele.
Um vinho me basta para alguns minutos de enlevo, e a ansiedade me toma conta.  Aquele grande mapa digital, colocado à frente dos passageiros, vai mostrando a aproximação gradativa com o que de mais precioso quero, pisar no Brasil.
É a minha terra, minhas origens, o começo de minha historia, e a referencia de minha trajetoria.
Amo-o como nunca amei.  Pela sua incongruencia e tristeza, pela empatia que tenho com um povo que ainda não acordou.  Pela vontade de, em vida, poder olhar um caminho diferente, que oriente essa nação tão desumanamente desigual, como diria Caetano.
Estou alegre no meu egoismo de reencontro, mas triste por voce. Não poderia deixar de dizer que chego contente, mas em lágrimas.  Sou portadora de transtorno bipolar, não me e dificil.
Tentarei lhe receber sem julgar, porque você, minha casa, sempre me acolhe.
Mas quero justiça, que feita pelos homens.  Quero para você o orgulho recuperado, e a derradeira consciencia do seu valor.
Vou pisar no seu solo, que meu tambem o é.  Por favor, me deixe acarinhá-lo, e não fuja de mim.  Não fuja de você.
Cheguei.  Em lhe rever, eu sabia que iria chorar.

sábado, 8 de outubro de 2016

VOAR PARA ALÉM DAS NUVENS COR DE ROSA ( ODE I AO MEU TRANSTORNO BIPOLAR )

São os momentos da noite os mais fortuitos e agradáveis.  Agora sinto um compasso, e me dispo de minhas vaidades.
Quero correr a letra, e alcancar o céu.  Me imiscuir em tons de azul pálido, e esquecer do chorar.  Haverá verde amanhã e novos impulsos, e meu viver ficará coroado de vontade.
Seguindo meu pêndulo, de repente abriu-se um momento.  Consigo sorrir, porque assim sou.  Cristalina, esquiva, espero que o verde adentre por minha janela, e que hajam raios de Sol.  Sempre espero pelos raios de Sol.  A noite é desafiadora, lúgubre, um convite ao fascinio e a troca de palavras.
O dia chega, traz com ele seu resquicio de vontade e ser.  Dispo-me à claridade, e a energia pulsante de tudo ao meu redor.  Não penso, ajo, sorrio, profeço a escalada do meu ser ambulante. Professora, ensino o saber que não está em mim.  Ele se absteu de minha consciencia e me faz desperta a cada instante.  Sou o âmago do que penetra em mim, a pergunta não feita, e a resposta que já se foi.
Com as mãos, golpeio a irreverencia do destino, que me curvou ao amparo da minha troca com o belo.  O amor que existe dentro de mim, a empatia que emana de minhas vicissitudes me faz ser inteira, entre as partes do que me julgo composta.
Não pedi, mas só aceitei. O diluvio das palavras, ditas, escritas e sussuradas.  Meu abandono, minha pequena poesia, que só a mim pertence.  Gostaria de ser outra, mantendo-me fiel ao que sou.  Ao que fui, que ja não sei, agora há batidas dentro de mim.  O outrora, acalanto desperdiçado, foi um átimo doloroso, e amanhã são as restias de Sol que já desenho em minha memoria.
Vida, de que me és util ? Se conheço o sofrer e a alegria, a tristeza e o disparate ?  Como pode tudo voar ao longe, estando perto.  Até quando essa sensação de inexistencia, meu material que sucumbe.
Agarro-me às palavras, minha força, meu reduto.  Sinto-me dentro delas, e não posso perdê-las.   Pretendo o encontro de mim mesma sem sons refletidos no papel.  Sem o desenho harmonioso de letras que sobem.  Minha consciencia transborda e se preenche de luz e vontade.  Simples porque a palavra, a derradeira silaba, veio a mim.  Inundou-me, careceu-me, e não posso parar, pois tenho medo.  De que nada mais faça sentido, e de que eu me dilua em pensamentos e fim..
Sinto a morte perto.  Ela me ronda e espreita, faz parte de mim.  Está pronta a me alcançar, mesmo que eu a refute.  Brinca comigo, mexe em meus cabelos, e me pede para ficar atenta.  Preciso desse cuidado, necessito do torpor do cair no vacuo, uma nuvem branca, sem peso nem textura.
Ela não há de ser um abraço doloroso, mas um pedido de uma boca, página de um livro que ainda não se acabou.  Que me adentra, cobre, um manto rosa, leve, muito suave, a me levar para longe, alem da
ausencia de corpos.
Vejo pequenas estrelas cintilando no espaço onde meu corpo flutua, livre, sem carencia e sentidos.
Aprendi a morte, e quero-a perto, amiga, legal e viva.
Ela, que me toma.  E eu , parte do que ja não fui.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

EM MINHA TEMPESTADE, VIAJAREI NA CALMARIA ( ODE AO MEU TRANSTORNO BIPOLAR II )

Não, que não sou eu, mas é parte indissociável do meu ser.  Que me toma em momentos que podem ser avizinhados, muito embora eu insista em renegá-los.
Como se faz para carregar um fardo por toda a vida ? Para não urrar, quando não sei o que fazer, nos momentos em que a insanidade toma conta de mim.  Ela vem com uma furia que me cega, atormenta e cerra os olhos.  Não sou eu, minha pele e meus sentidos. Sou um choro desregrado, um gemido sem controle, e a ausencia da vida.
Medo. Quisera eu que voce não me tomasse, e que existisse na medida certa. Que me impelisse à frente, e não me estarrecesse.  Medo de perder o controle, e me subjugar à uma vontade que não é minha. Diferente de escrever, em que há um arroubo de palavras, e só contemplação.  A intolerancia me toma, a absoluta irracionalidade que me perpetra.
Não quero causar mal ao que me rodeia. Para não lutar, quando se queria ser livre. Para que o sê-lo, se a prisão é o refugio ?  Para simples estar, sem contexto, sem aparencia, fluidez, mas não certeza.
Encontro-me, às vezes, à beira de um abismo.  Como se houvera chegado no limite de mim mesma.  Depois de tanta dor, vem a percepção do nada, que lhe deu lugar.   A sensação de vazio, o encontro com uma natureza que gostaria de que fosse muito mais plácida.
Viverei ate o resto dos meus dias com esse peso. Que me foi atirado aos ombros, sem que, com ele, tivesse criado empatia.  Sem que, por ele, respeitasse alguma identidade.  Tão dificil admitir que ele e, indissociavelmente, um pedaço de mim.  Um átomo que me faz sofrer tanto, e a qual estou subjugada.
Morri, morreram-se varias dentro de mim.  Há dias em que abriria mão da vida para não sofrer e causar martirio a quem me cerca.  Momentos de despróposito e descrença em meu caminho.
Conheço o mundo da depressão e da hipomania, extremos do afeto, que não se faz constante.  Assumidamente falo e respiro essa realidade, que bate à minha porta, em  todos os momentos.  Vivo com a percepção real de que, caso não houvera medicação, eu ,mais do que hipoteticamente, teria me conduzido a uma trajetoria ainda mais dramática.
Sobrevivi e o faço a cada dia, assinalando no compasso de meu relogio os dias que foram frutiferos, calmos, e que me propuseram a sensação do aqui e agora, sem  mais perguntas.
Nos dias de trovoada, espero a brisa voltar, e ela vem logo, porque não tenho um mecanismo que sustente a dor em toda a sua intensidade. Mudo como o vento, e amanha estarei melhor, apesar das lágrimas derramadas, Sou uma paciente de transtorno bipolar com ciclo rápido, onde oscilações velejam ao sabor do vento, que pruma à deriva de seu proprio querer.
Não sou dona de mim, nem tampouco de minhas emoções.  Estou à mercê de calmarias e tempestades que, apesar de opostas, um dia poderão me submergir.
Meu ser se curva, cala, e não tenho encontro.  Sou uma portadora de transtorno bipolar , e assim o serei, para o sempre de minha vida. Nunca conhecerei a verdadeira paz de estar só comigo, tampouco serei como os outros.  Me fecharei num mundo de incertezas absolutas e certezas criadas, para que eu possa sobreviver.  Serei só, serei eu, me bastarei no que aprendi a ser.  Porque tanto se me faz a percepção de que algo possa ser diferente.
Sou, serei, e o que tenho.  Amanhã
 abraçarei a calmaria.  Amanhã me lembrarei de Fernando Pessoa, que liga meus passos.  Esquecerei da lágrima única , que cai pelo meu rosto, agora, confessa.
Precisarei me lembrar de que não há momento para a escrita outro que a dor.  Ela extravaza as palavras, que tenho guardadas dentro de mim, e que fazem minha essencia.
Amanha virá o silencio e a tábula rasa dos sentimentos não totalmente vividos.
 Amanhã serei outra, sempre a mesma.  Dentro de mim, pulsa só o simples desejo de ser livre.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

UM RIO PASSOU DENTRO DE MIM ( ODE A FERNANDO E MILTON )

Gostaria de lhe pedir a frase certa. A que contenha toda a ilusão que me dispa, e me coloque em frente a todas as vissicitudes.
É madrugada, e anseio.  Penso na generosidade, na partilha, e nos sonhos não perpetuados.  Vivo o mundo dos homens, que submerge, a cada momento, a presença da morte. Somos faliveis, cristãos, ortodoxos, ou judeus.  Temos uma devoção mística que nos ajuda e ampara no elaborar do que seja a nossa consciencia.  Mas conhecemos a fragilidade do que aì está.
Vamos falar de sonhos.  Ontem, pela primeira vez, me sentei ao terraço e vi a Lua, cúmplice.  E foi ela, marcando o meu tempo e espaço, se deslocando.  E, em referencia a ela, meu momento se fêz sentido.
Fernando Pessoa diria :" Mas que sei eu das casas, do rio que corre pela minha aldeia.  Ele apenas esta lá, e é o rio que corre pela minha aldeia ".  Foi o que senti também, a Lua sobe, e eu fui parte de um pequeno momento do fulgor dela em frente a meus olhos.
Quanto não saberei o porquê de meus sentidos torpes ?  Porque meus momentos não são de contemplação ?  Porque exijo respostas a perguntas que só deveriam existir para si mesmas.
Penso que sou um ser social, e devo gratidão e generosidade a meus semelhantes.  Se eles houveram sido a Lua, estaria eu a contemplá-los ?  São eles realmente a fonte de identificação com o meio em que vivo, com a minha dúvida existencial do que seja o rio que corre dentro de mim?
Fernando Pessoa segue, mais arrojado e, nessa ode de mais de trinta estrofes, acaba por dizer que passa e fica como o Universo.  Eu tambem passarei por ele.  Serei tudo e nada, à sombra de meus semelhantes.  Acreditarei na dor universal e nas tentativas de minimizá-la. Pensarei antes de que sou um ser único e que, aquele homem, à frente da tabacaria, que pensava eu estar chorando por ser empático com o sofrimento, nada mais era do que o apenas eu , sem encontro ao que me rodeia.
E outro heterônimo de Pessoa completaria o teorema, com o " fingir que é dor a dor que deveras sentes ".
Sou tambem esse espectro multifacetado, que sabe o sofrer, mas o renega. Que o sabe, e também não lhe mente.
Se sou o rio, também posso correr por ele , nesse rio que só está, e não faz mais do que ser esse seu significado.  Como la estêve a Lua, apesar dos meus sentidos, que insistem em lhe buscar um nome.
Se sou parte da Natureza, sou a Lua.  Do qual me olvido conscientemente, mas que bate dentro de mim. Passo e fico, como o Universo.  E essa grandiosidade do ser é inerente à especie.
Podemos ser absolutamente tudo. Somos, em comunhâo.  Ou optamos por renegá-la.
Dai se fazem as guerras ?  Por uma quantidade inabalável de seres que não são parte dela, mas acreditam serem únicos em sua tirania ?
O que é ela ? É o medo da morte personificado na onipotencia desmedida ?  Pois se a Lua se faz aos olhos de todos, como o rio, eu me faço a meus olhos. E, se o que me cerca convida ao Universo, porque rechaçá-lo com balas de canhão ?
A guerras sempre existiram dentro da evolução da especie humana.  Vêm travestidas de nomes e sentidos, sendo ,invariavelmente, destrutivas.  Nos conceitos pré-socraticos, a questão da liberdade já ocupava seu espaço dialético.
E o homem habita esse planeta há milhares de anos, cultivando, invariavelmente, o sabor pela arte e pelo lutar.  Como num novelo, a historia da humanidade se encobre em perdas e música, ao longe. O simples mirar da Lua.  A vida que corre, e um leito de rio.
Um rio que passava pela minha aldeia, belo simplesmente por existir.  Porque precisamos de mais ?

sábado, 18 de junho de 2016

FICAR INDO EMBORA. ( ODE AO QUERER )

Decisão.  Palavra forte e poderosa.  Mais um som que só pertence à lingua portuguesa, o til. Anasalado, sempre ouço san paulo em vez do que é nosso. Sinto uma certa satisfação pelo nosso direito à propriedade, ainda que esse pequeno agregado de sílabas represente algo que possa ser gigantesco. Vencer conflitos.
Em tempos de vivencia ou não da democracia, imprescindivel se torna ter um leque de opções. Ou nem tanto, pelo menos o desenho de mais de uma probabilidade nos nossos processos  de auto questionamento.
Quem não tem dúvidas, não as soluciona.  E obvio, pois se precisarão existir para serem questionadas.  Quem as tem, pode enxergar a vida como um trecho de estrada que se bifurca, onde caminhos se dividem, sendo tenuamente iguais. Não ha como sabê-lo enquanto só seguir a trilha, sem muitas chances de voltar, meu chamado ao poema The Road Not Taken.
Com certeza doi, porque a especulação é mais facil e não  comprometida.  Porque o processo de dar e receber pode ficar intocável, o que e um erro de julgamento.  A quem ficar possa, talvez a fantasia dos grilhoes da liberdade.  A quem partir, o sonho pequeno e forte da saudade, e o aprendizado de renuncia e desapego.
O medo, o que dele fazer ?  Libertando-me, sobra-me o espaco do me dedicar a minha solidao.  Meus comprometimentos se tornam mais individuais, apesar de muitos anseios.
Deixei o que quero bem.  O expus a sua propria sorte e temperamento.  Haverei de vê-lo crescer com seus erros e desacertos, atribuidos tão e somente a sua pessoa.  O mundo dos homens e o da seguranca de quem lida com os proprios sentimentos, investe, e tira do bem o máximo.                     Só que não o desse menino, dependente em maturar, projetado na figura do qual tenta se desamarrar, quase sempre em vão.
Meninos que não crescem podem se tornar eternos . Brincam de camuflar a realidade.  Escorregam na propria fragilidade, enquanto o que os cerca não para e, nem ao menos da sinais.  O mundo, a vida, expoem, gritam e pedem para nos fortalecermos.  Mesmo que seja duro, doloroso, e abramos maos dos nossos sonhos.
Diz-se que há uma criança dentro de nós, que conserva a pureza frente às adversidades.  Que sabe chorar o pranto escondido, preso a garganta.
Que farei ao menino ? Continuarei a brincar de realidade com ele ou me calarei ?  Exigirei o troco do afeto empenhado, e das promessas não cumpridas ou, simplesmente, calarei o meu desejo egoista de quem esteve perto porque lhe era bom ?
Algo me diz que vamos nos separar, menino.  De que serei eu a soltar as amarras. Eu a decidir o que já era obvio antes de ser questionado.  Voce partir e eu ficar.
Aquela imagem de que eu estarei ao ninho, pronta, concisa, quem sabe.  Sou mesmo um emaranhado, você sabe. Mas vou me esforçar para ser justa. Dificil, porquep
ar para ser justa.   fingi que acreditei so em minhas asas protetoras, e agora descubro que as abri  para muito longe, e tambem voei.
Voltei, sem saber o que eu era, muitas vezes.   Ate que, um dia, meu coracao se aquietou, e descobri que o que fazia era so para mim.
E foi por isso que lhe dei o nome Lee que, plagiando a descoberta acima, quer dizer para mim, em hebraico.  O nome mais sonoro, curto e ambicioso da lingua.
E voce chegou.  Para partir, e ficar.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

UMA ODE AO NÃO BOICOTE

Um dia, a arte acordou com uma crise de enfado existencial.  Cansou de ser libertaria, lúdica e universal.  Afinal de contas, Van Gogh não foi poupado por exterminar uma orelha.  Muito pelo contrario, o planeta se refastelou em associar seu ato decrépito com a genialidade de traços nunca antes percorridos.  Hemingway saudou a solidão de um velho homem de braços abertos ao mar, e sua visão de liberdade culminou em seu proprio suicidio.
Tenho em mim que a arte tenha se cansado de si mesma.  De suas formas a procura, de suas palavras passeando aos olhos, de sua mística, dos ouvidos que escutavam sua música.   Esvaziou-se no seu sentido de existir, de encontrar o sempre mesmo pretexto de ser ela, e por ela ser só.
Houve um dia em que parou.  Desceu de seu sentido místico de representar o que não tem nome, e resolveu ouvir o apelo da voz humana.  Transvestindo-se, assim se prostituiu.  Saudando o que deveria calar, virou artigo de consumo.
Os homens produzem a arte, como assim a destroem.  Aceleram a tecnologia que, por sua vez, arte também o é na qualidade de improvisar o desconhecido.  Bordaram e bradaram tanto que ambos, tecnologia e arte, esgotaram de vez seus proprios recursos em serem livres.
Canto?  Não canto, saboto.  Impeço a outros de me ouvirem, porque o negar é um ato político.   Saboteio a importação de tecnologia, vide o mesmo pretexto.
Ai ficamos nós, os seres humanos.  Aqueles que, carentes, necessitamos da música que, aos nossos ouvidos, gritaria como um som que desafia a guerras.  Aqueles que, desesperados, precisariam de um marcapasso que lhes ajudasse o coracao a bater.
E visionarios somos os que, absolutamente, não entendem os meados de tanta mesquinhez.  Os que não sucumbem à corrupção de fórmulas baratas e imediatistas, que pensam produzir os mais benéficos resultados.
Somos nós que queremos que nossos filhos, soldados, dancem ao som das melodias por eles escolhidas.  Porque esquecerão o barulho das guerras e o grito dos canhões.  Sao vocês os que querem um sorriso que não se apague ao último suspiro.
Sou eu que sonhei com um mundo melhor em que, onipotentemente, acreditei serem as alegrias transparentes aos olhos de meu filho.  Que ele conhecesse o que cansei de usufruir na terra onde nasci.
Sou eu que não entendo a dicotomia.  De um lado o homem, soberbo a si mesmo, produto feito a compor tão divinamente.  Do outro lado, ele,  brincando com as migalhas do egoismo que encontra pelo caminho.
Boicotar o que, que já da vida nos tira tanto, sem que entendamos o porquê.  Que nos apresenta um mundo de misterios, sempre revestido pela relutancia em conservá-lo.
Boicotar significa morte.  Aos que lhes é negado o direito de repartir.  E o primeiro principio das guerras, e o mais covarde.
Querendo encerrar com, ao menos, uma palavra que console, meu pensamento toma forma em acalanto.  Que a arte e a tecnologia parem de gritar.

MEU TEMPO E PARTIDA

Bom, para o começo é isso.  Eu tenho um blog sem acentos no portugues.  Isso não significa que eu não pense, fale e xingue em português, principalmente o último.  É um dos maiores prazeres da minha vida rebater com improperios a quem me faz uma desfeita, e fica com o rosto totalmente decepcionado e surpreso, por não saber que estranha é aquela lingua que revida, pontualmente, num sorriso maroto e ainda acrescenta : " Está vendo, por essa você não esperava " !
Decidi mudar para um pais estranho hâ muito tempo, quando, talvez, me achasse mais corajosa e aventureira do que realmente sou.  Aventureira porque não sai com aquela proposta emoldurada de fazer um aperfeiçoamento no exterior, ou nem mesmo colher morangos em algum lugar na Europa, conhecer uns escandinavos e voltar.
Não.  Eu queria fazer as malas, e sabe-se lá o que seria.
Uma grande parcela da minha coragem ( e também covardia , como todo processo dialético ) foi pensar em Israel.  A covardia porque me ofereciam oportunidade de estudar a lingua, lugar para comer, dormir, universidade gratuita.  Tudo isso numa época em que eu so queria subir num avião e partir.   A coragem era enfrentar minha covardia de experimentar em Israel, um pais que, basicamente, representa o fluxo de nem mesmo dúvidas, porque religião não é meu encontro com o mundo.  Mas pode-se viver em Israel à margem de conflitos com o judaismo.  Eles ficam só na memoria afetiva de quem teve amigos, carrega um sobrenome, e sabe que a vida é mais do que isso. São em paises conflitados e sofridos que temos a chance de encontrarmos mais valores humanistas, dentro de nós mesmos.
Na verdade, existem pessoas que sabem bem antes, como também  aquelas que descobrem muito tempo depois.  Vender seus livros em português é uma parte do desapego que doi, e é significativa.  Dela me lembro bem.  Viajar com uma mala e 500 dolares, os dois que dão para muito pouco, um ato de bravura, amparados pela pretensa inocencia dos meus pais, que não deveriam estar satisfeitos com a minha partida.
Não me lembro muito bem de como me despedi, fora os amigos que estavam no aeroporto.
Do que me lembro, e bem, é de que deveria ter uma certeza incrustrada de que, quando se parte, leva-se o que se queira e se deixa o que, deliberadamente, gostaria de esquecer.   Nao me julgue você, porque essa tendencia à praticidade e resguardo emocional emocional possa ser mais do que um atributo cultural , ou coisa que o valha. É uma necessidade de sobre vivencia da especie.
Nao nos separamos de cônjuges, namorados, rompemos carreira, acreditando no principio de que a distancia apagará as feridas ?
Pois aí está o paradoxo.  Distanciamos os objetos, mas continuamos os mesmos.  Na realidade, a cada ruptura, enaltacemos nossa audacia de romper grilhões, sem que isso signifique, implicitamente, que nos propusemos a mudar.   Quem foi que disse que basta só querer mudar?   Ou que, ao menos, saibamos que teremos que mudar?  Os livros de auto ajuda, as imposições da vida, os químicos no nosso cérebro, que agem independentemente da nossa vontade ?
Tudo isso é para dizer que inicio um blog sabendo que o momento de partida não é o de chegada. Que, nas milhares de vezes em que fui perguntada porque vim para Israel, eu, que nunca fui nem serei sionista, respondi que o que me fêz partir nao foi, necessariamente, o que me fez ficar.
Na verdade, eu só sei que queria partir.  Perguntar à aeromoça como se dizia " eu quero comer " e " eu quero beber " , logo que cheguei em solo israelense, representavam a audacia de quem se despiu ao novo.
Apenas um erro de cáculo:  quando se parte, o que é de dentro vai junto, e desafia a distancia.  Vão-se juntos os erros, acertos, sombras, dúvidas.  Parte-se com o que se é em estado de procura.  E disfarçarmos, pois lidar com novas realidades, cultura, lingua, preenchem nosso tempo e atê reforcam nosso ego.  Mas o que se é,o âmago, esta lá, e não e uma caixa skinneriana, que so responde a estíulos externos.  Amarras com os pais ?  Nao e uma distancia geográfica ou material que as transponha.
O tempo, ou temporalidade, como vi numa palestra de filosofia, é o conceito mais dificil a ser explicado. Todos os filósofos, já em si possuidores de uma vocação para o abstrato, esbarraram nesse desafio.   Aristóteles, provavelmente, grande sabio que o era, optou por não dá-lo definicão.
A partida é um tempo.  A vida tempo, finito ao extremo, composto de muitos outros que, provavelmente, não se encaixaram, ou o farão.
As pessoas que tem a certeza de sua partida, saibam que não a terão na sua chegada. Elas viajarão consigo mesmas, apesar da distancia, e por causa dela.
A muito poucos eu diria " eu só quis partir " .   Mas essa é uma grande verdade de mim mesma.   Minha partida foi e continua sendo meu tempo.