Terminei longos capítulos, e me busquei em heroínas, mais ou menos independentes, mulheres, carentes, frageis, não submissas. Adotei seus discursos. Na verdade, os tenho levado vida afora, articulados por muito tempo, como distração a encobrir o medo. Não que, hipocritamente, representem a inverdade, mas a realidade bate forte, dura, e tem pressa.
Para onde. Só. Irremediavelmente. Com todas as peças do meu corpo doido e cansado, hesitante em lutar, sabendo a não opção. Experimentando a derrocada a um ponto abissal, para onde não haja retorno, que não o impulso ao ar que encha os pulmões. Vida ou não, sem condescendencia, tem sido a regra. Às exceções, seu preço.
O mundo mostra golpes duros. Líderes são apunhalados, metaforicamente ou não. A miseria se institucionaliza, sem reação aparente, e as forças da revolução são meros agentes da estagnação. A luta tem cartas marcadas, jogo previsto de poder, e acúmulo de forças. Os interesses e o fanatismo apoderam as mentes, potencialmente capacitadas ao pensamento. A luta se esvai, e a mesmice fica. Eu me resto.
Dispo-me, não me percebo e acredito, pois minha saga é unica, sempre viva, nunca inacabada. Minha escrita é o que me resta, e minha historia é finita, acompanhando, tortuosamente, o roteiro de minha vida.
Não sou a jovem sem paradeiro nem, tampouco, a mulher de sonhos de Cinderela.
Ou uma rica anciã que descubra a independencia emocional, nos seus derradeiros anos de vida. Mas sou tudo isso, porque nada sou, como diria o poeta. As coisas se desfazem e perdem seu valor, porque lhes deixamos de ter apego, e isso é bom. Deixarei eu de ter apego à minha pessoa, e o que restará de minha historia ?
Minha relação com o tempo tem mudado. Ela se tornou muito mais fluida e vaga, como se os marcadores do relogio não fossem compassos. Mas eles urgem, e soam. Confundem-me, e nem por isso respondo. Mas me vejo aqui, sentada, próxima de uma grande realização, marco que só a mim importa, e sou uma parte de mim. Que continuou, sobreviveu, cai e se ergue, absurdamente insistindo em resistir.
Deva ser eu que aprendi as nuances da fala, sem precisar de grandes convivios com o mundo dos homens. Que sonha com uma velhice tranquila, recheada por deleites materiais e a promessa de um testamento de morte, avalizado pelo seu ente querido. Despedida de mundo justa, encontrada na medida certa. A morte e libertação, e vive-se a vida para acreditar nisso.
Ha verdes e mares, azuis e lilazes. Esquizofrenias e crianças mortas no Iêmen. Por injustiça e mercantilização, elas valem menos dos que as palestinas, que valem menos do que nada. Na verdade, por algum motivo, tudo me soa a ceticismo. Impossivel acreditar na boa vontade de mentes aprisionadas em seu proprio despotismo. Todos ínfimos demais para vislumbrarem mudanças ou construirem um futuro. Negros, brancos, homens, mulheres, gays e religiões, se existe fracassos, eles se devem tão somente a especie humana, incapaz de manipular sua propria genecidade. A vida é pedra. Musgo. Tartaruga sólida, coberta de dejetos que o homem atirou ao mar, sem se preocupar com seu habitat futuro de gerações. É o esconderijo do ser e sua prisão, quando deveria ser a busca de sua fertilidade e virtude. O encontro dos corpos que se basta, quando a noite cai, e a brisa fica, os sussuros cessam, e nada mais ha o que se dizer.
A vida é poesia, quando dela nada se pede. Lembranças se perdem, o choro se esvai, e tudo fica como num contorno esboçado. É o mar já visto, agora só sonhado, a cidade querida, e a mãe adorada. O amigo que se quer ver, num plano de viagem futuro. A vida é isso.
Vida, vida, que mais te quero ainda.
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